Velejando até as Ilhas Ábaco, uma das joias do Caribe

por Wally Moran

Que tal velejar com Wally Moran da Flórida (EUA) até as paradisíacas Ilhas Ábaco, nas Bahamas?

Ao aproar contra o vento para lançar o ferro, a sotavento da Allans-Pensacola Cay, nas Ilhas Ábaco das Bahamas, observei um tubarão-lixa de cerca de 2 m de comprimento vindo em direção ao meu barco, com o focinho claramente apontado para o chão, à procura de comida.

Acho que o pessoal aqui tem o costume de alimentá-los, pensei. Um mergulho para me refrescar do calor de 32 ºC estava claramente fora de questão. Apesar desse tipo de tubarão ser inofensivo, poderia haver primos menos afáveis na região, e que eu não pretendia encontrar.

Não obstante, um velejador fundeado a mais ou menos 50 m não se deixou intimidar. Estava na água, equipado com máscara, snorkel, arpão havaiano em punho e, como o tubarão, à procura de uma apetitosa refeição. Torci para que ele não virasse o jantar. Independente do tubarão, e por mais encantador que fosse o meu porto seguro, não estava muito feliz em estar aqui, pois significava que a minha viagem estava chegando ao fim. Em dois dias estaria de volta à Flórida, navegando para o norte em direção à Baía de Chesapeake.

Não haveria mais as fantásticas águas turquesas. Nem relaxar e observar os habitantes locais passando e cumprimentando gentilmente. Sem fundeios em praias paradisíacas, com céus absurdamente estrelados e ninguém além de mim e minha cadela, Aduana, como companhia. O maior desafio nessa temporada foi encontrar uma baía para fundear onde a corrente da amarra não causasse estragos no fundo coalhado de estrelas-do-mar. Acho que consegui administrar bem o desafio…

Como tantos outros cruzeiristas norte-americanos, costumo passar os invernos nas Bahamas e, desde que houve um aumento nas restrições para o fundeio na Flórida, acho que vou vir ainda mais vezes no futuro. No último inverno, escolhi explorar o norte das Bahamas, em torno das Ilhas Ábaco, invés de fazer a minha rota usual para as Ilhas Exumas, passando por Nassau. Já tinha ouvido falar bastante dessas ilhas e estava muito animado para conhecê-las.

Quem vem para essas ilhas velejando, normalmente sai da Flórida na altura de Fort Lauderdale ou West Palm Beach e faz a travessia até West End na Ilha Grand Bahama, ou então mira um ponto mais ao norte, na Little Bahama Bank. De Fort Lauderdale é uma perna de 68 milhas náuticas, com um ângulo favorável em relação à corrente do Golfo, fazendo com que a travessia seja bastante breve. Ao invés disso, tomei a rota habitual, indo de Miami a Bimini, e pernoitei no Great Bahama Bank. Fundear nesse lugar é sempre especial, pois não há terra à vista e o sol se põe e nasce no mar. Há poucos lugares na terra em que se pode apreciar um espetáculo visual como esse.

Meu plano era dar uma espiada nas Ilhas Berry, começando pela Chub Cay (obs.: Cay significa pequena ilha ou recife), quando estivesse a caminho das Ilhas Ábaco. Por um motivo incompreensível para mim, as Berrys não estão lotadas de cruzeiristas. A minha incompreensão se deve ao fato de que o lugar é belíssimo, com áreas de fundeio fenomenais, as Cays para serem exploradas, águas perfeitas para mergulhar e praias lindas e desertas. Talvez não devesse estar contando isso aqui…

Uma dessas praias fica em Chub Cay, uma ilha particular com casas enormes. Em toda a minha vida de cruzeirista, nunca vi um lugar com tanta estrelas-do-mar, arraias e uma infinidade de peixes. É realmente indescritível, mas a construção de um grande hotel na praia veio acompanhada da proibição de aterrar com o dingue — obrigado! (por favor, volte ao seu barco enquanto terminamos de pavimentar o paraíso).

Caso queira realmente ser bem-vindo, rume ao norte para a Great Harbour Cay Marina. É uma das marinas mais bacanas que já conheci, e um ótimo lugar para se abrigar de um furacão, caso seja surpreendido por um. Então, rumei para lá. Saí pelo oeste por algumas milhas para retornar ao Canal Noroeste, que passa a oeste das Ilhas Berrys. Com vento leste de 15 nós, pude ir à vela, mesmo que numa orça bem apertada, por aproximadamente 20 milhas, até alcançar o ponto de entrada de Bullocks Harbour. É assim que gosto de velejar, rápido e com poucas ondas, uma vez que os bancos de areia e ilhas a barlavento mantinham o mar calmo.

Claro que estava bom demais para ser verdade. A cerca de 10 milhas do porto em Harbour Cay, e com muitos baixios truculentos no caminho, meu GPS/chartplotter decidiu entrar em greve devido a um fusível ruim, como pude constatar mais tarde. Reduzi o pano, saquei meu GPS portátil e as cartas náuticas. Rapidamente, determinei uma derrota segura e defini os waypoints a serem navegados. A entrada do canal tem somente uma marca e é bastante estreita. Dado o avançado da hora, antevi uma competição entre a minha âncora e o sol, para ver quem cruzava a linha d’água primeiro.

O que aconteceu foi um empate técnico, com a âncora tocando o fundo a 3,5 m entre a entrada do Great Harbour e a Cistern Cay. Brindei com um bom vinho debaixo de um céu rosa e púrpura que meu adversário deixou no horizonte, a oeste. Que ato de classe!

Na manhã seguinte, adentrei a marina e encontrei três cruzeiristas amigos, sendo que dois tinham passado o inverno aqui e um tinha chegado de Nassau na véspera, em seu catamarã. Na marina, além da intensa vida social, há alguns bons restaurantes, lojas e supermercados para reabastecer os barcos e, acima de tudo, uma fabulosa praia. Além disso, o local oferece ótimas oportunidades para mergulhar, pescar e até pegar lagostas. Meus amigos se divertiam a valer e não estavam com a menor intenção de voltar para o continente a curto prazo, então decidi me juntar ao grupo e usar as próximas duas semanas para explorar a região. E foi tão bacana como tinham me contado. Consegui até pegar uns peixes com meu arpão em um recife ali por perto, coisa que realmente não domino.

Ao deixar Great Harbour Cay, naveguei lentamente para o norte, impulsionado por ventos fracos, em direção a Great Stirrup Cay. Na manhã seguinte, praticamente sem ondas, fui a motor para Sandy Point, na Ilha Great Abaco.

A maioria das pessoas escolhe fazer uma única passagem, saindo de Great Stirrup, circundando a ponta sul da Great Abaco, seguindo para o norte, tendo sua costa oeste a boreste até chegar a Great Cherokee ou Little Harbour, distantes cerca de 65 milhas, e não percebem Sandy Point. Estava no pique de realizar uma exploração mais detalhada, pois o que tinha lido a respeito despertou minha curiosidade. Não faz muito tempo que o único jeito de chegar a Sandy Point era por mar, e seus habitantes ainda provêm seu sustento da pesca de peixes, lagostas e camarões. Nada nessa localidade lembra turismo, não há lojas reluzentes nem restaurantes, mas há um pequeno bar na praia, bem em frente ao local onde eu estava fundeado.

Como estava desesperadamente necessitado de uma gelada, dei um pulo até o bar, para então descobrir que pagar com cartão de débito ou tirar dinheiro em um caixa eletrônico não eram opções. Virei as costas na intenção de voltar ao barco, para ver se as moedas separadas para uso nas máquinas automáticas de lavar roupa eram suficientes para matar a minha sede. Foi quando o barman colocou uma Kalik gelada no balcão e disse: “É sua primeira vez na ilha? Seja bem-vindo. A primeira é por conta da casa!”. Passei o dia seguinte passeando pela vila, curtindo a sensação de ilha isolada, carregando no bolso todas as moedas que consegui juntar, inclusive no porão de meu barco, para fazer bom uso antes de voltar a bordo.

Minha próxima parada foi Little Harbour. Tive a felicidade de chegar com a maré alta, pois o canal de acesso tem profundidade de 1,40 m na maré média. O porto é bem protegido e possui poitas, além de um fundo com boa “pega” para âncoras, como pude experimentar de tarde, quando as rajadas chegavam a 35 nós. É onde se localiza também o Pete’s Pub, um local bem diferente do bar da praia em Sandy Point, a léguas de distância de onde fundeei, do outro lado da ilha. O Pete’s é nitidamente focado no turismo, e a diferença de preços reflete isso. Felizmente, lá aceitam cartões de crédito, pois minhas últimas moedas ficaram em Sandy Point.

Navegar para o norte nas Abacos é comparável a navegar nas Exumas: protegido do Atlântico pelas ilhas e recifes e com profundidades que variam entre 3,5 m e 6 m. Enquanto estiver ligado nos waypoints planejados com antecedência, não há grandes mistérios. A principal diferença entre as Ilhas Ábacos e as Exumas, em que passei várias vezes o inverno — e como vim a descobrir em Hope Town —, é que elas são bastante direcionadas para quem as explora por terra, com leve negligência para aqueles que vêm pelo mar.

Nas Ábacos, há muito mais marinas, bem ao estilo norte-americano, do que nas Exumas. A mesma coisa acontece com os bares e restaurantes; em alguns locais dá para se confundir e achar que está em algum lugar nas Keys da Florida, não nas Bahamas. Isso nunca aconteceria nas Exumas, que são as Bahamas como elas devem ser: estrangeiras e tropicais,  pulsando nos ritmos locais ao invés de música pop.

A diferença está na facilidade com que os turistas chegam nas Ábacos, seja de avião ou de lancha. Esses caras não curtem ritmos e beleza locais; querem serviços iguais aos que estão acostumados. Escutei uma senhora reclamando da dificuldade que estava tendo para hospedar o capitão de sua Hatteras de 75 pés: “Colocamos ele no apartamento em Marsh Harbour, na casa em St. Augustine ou na casa de veraneio de Ponte Vedra [ambas na costa leste da Florida]?”

Uma lancha de passeio ou de pesca consegue fazer a travessia de Lake Worth em seis ou sete horas. Em dois dias, vi mais de três dúzias desses barcos passando voando por mim, em direção ao leste, bem como muitas lanchas menores. Durante o mesmo tempo, contei menos de meia dúzia de veleiros.

Velejar nas Exumas, por si só, requer muita perseverança e determinação. Só para chegar lá há a travessia da Corrente do Golfo com, no mínimo, 48 milhas. Depois, há que se navegar mais 65 milhas no grande banco das Bahamas, o que pode ser bem desagradável quando a brisa sopra forte. Depois, outra travessia por águas profundas de 47 milhas até Nassau, para então ir de ilha em ilha até George Town, na Ilha Great Exuma. São 155 milhas, mais do que a distância de Palm Beach até Green Turtle Cay, nas Ábacos.

Adicione a dificuldade de encontrar portos seguros. Fundeadouros nas Exumas muitas vezes são expostos ao norte e a oeste, fazendo com que mesmo os ferros mais seguros estejam à mercê dos fortes ventos que ocasionalmente vêm do norte. Quando se está em George Town, muitas vezes vemos barcos mudando de fundeadouro em busca de maior proteção

Nas Ábacos, a temporada principal é entre maio e setembro, quando praticamente não há ventos vindo do norte, pois esses são mais comuns de outubro a março. O que pode acontecer é encontrar uma tempestade de verão, que pode também ser bem desagradável. Além disso, poitas e atracadouros abundam por lá, coisa rara nas Exumas.

Outra grande diferença é que nas Ábacos há muitas lojas e locais decentes para abastecer, porém nada muito em conta. Em Marsh Harbour há até uma boa mercearia com grande variedade de produtos e preços bem razoáveis, ao menos para as Bahamas. Um galão de leite custa US$ 6 e o pão podia ser comprado por US$ 4, ao menos durante a minha visita. Se você achou esses preços altos, tente comprar a mesma coisa em Green Turtle Cay. Vai deixar US$ 8,40 e US$ 6,00 no caixa de uma das lojinhas locais, mais a taxa de venda de 7,5%. É uma boa idéia vir bem abastecido já a partir dos Estados Unidos.

Conforme fui me deslocando a oeste nas Ábacos, a densidade populacional foi diminuindo bastante, que é exatamente o que procuro quando viajo com meu veleiro. Hope Town é uma gracinha, muito limpa e organizada, mas o excesso de turistas chegando de avião ou barco incomoda um pouco. Marsh Harbour é bem mais comercial e tem bastante cruzeiristas fundeados em sua proximidade, bem como vários barcos de charter.

Great Guana Cay (“É melhor nas Bahamas, mas é mais melhor ainda [sic] em Guana” é o slogan da ilha) estava coalhada de turistas, especialmente no domingo da semana de assar porcos, quando dezenas de lanchas de 20 a 30 pés invadem o seu porto, com jovens bêbados dançando e cantando em seus conveses. New Plymouth, em Green Turtle Cay, é bem menos frequentada por turistas.

Pode parecer que não curti muito as Ilhas Ábacos, mas não é o caso. Curti muito, na verdade. Elas apenas são diferentes. No próximo inverno, estou planejando ir visitar o que não deu tempo de ver dessa vez: Walker’s Cay e Treasure Cay, além de locais como Man O’War Cay e Tahiti Beach.

Com isso em mente, fiz um plano que deve me deixar ocupado pelos próximos “meses sombrios”. Rumarei para o sul, participando do Rally Sail to the Sun ICW até Miami, próximo do fim do outono. De lá retornarei a Fort Lauderdale e cruzarei até West End, uma travessia de 62 milha náuticas. (N.T.: a distância de Santos a Ilhabela). Irei costeando as Ábacos e darei um pulo na Ilha Eleuthera, coisa que venho prometendo fazer há anos. De lá é uma curta jornada até as Exumas, onde ficarei navegando de ilha em ilha até chegar em George Town. De lá para as Jumentos, um belo arquipélago (ainda) completamente desabitado com uma mistura bem temperada de praias maravilhosas, pores do sol gloriosos e mares divinos salpicados de bons fundeadouros.

Por enquanto, cá estou em West End, em meados do verão, roubando mais um dia para curtir esse paraíso com sol e temperaturas agradáveis, enquanto alguns amigos no Facebook tentam me convencer a voltar para o continente. No fundo, gostaria de ter a coragem de mandar tudo às favas e responder mais ao anseio de minha alma do que de minhas necessidades terrenas. Mas prometo que voltarei. As ilhas me receberão de braços abertos novamente e as estrelas-do-mar estarão aqui, esperando.

Quando ir

Não foram poucos os que comentaram que as Ábacos são muito frias nos meses de inverno e que os ventos vindos do norte podem ser inclementes, batendo bem mais forte do que nas ilhas mais ao sul. Vá na primavera e no verão (de abril a setembro). Mesmo assim, quando um Expresso Polar Canadense (apelido da frente que vem do polo) chega em George Town, nas Exumas, pode vir com uma força surpreendente, mantendo muitos cruzeiristas acordados à noite em turnos para vigiar o ferro.